O homem que fabricou a fábrica
O ENGENHEIRO FRANCÊS JACQUES BENCHETRIT PROJETOU A PRIMEIRA PLANTA DE GRANDE PORTE PARA PROCESSAMENTO DE LARANJAS NO BRASIL, EM 1963
“Cheguei ao Brasil em janeiro de 1963. Cheguei para montar uma fábrica e ir embora... [risos] E fiquei. ” É um riso carregado feito pé de Hamlin no começo da temporada, talvez saudade, talvez satisfação. Difícil saber se é um jovem de 32 para 33 anos imaginando qual narrativa contará aos 90 ou se um senhor de 90, de comovente lucidez, lembrando o jovem, contemplando a vida. O riso marca uma pausa, para a conclusão sem volta: “Fiquei”.
Ficou onde? Ao liderar o projeto da construção da primeira fábrica de suco de laranja do Brasil, hoje o maior produtor mundial, Jacques Benchetrit escreveu um dos capítulos mais importantes da atividade no País, quando a agricultura se une à indústria, criando um universo econômico de rara pujança, e acabou ficando foi na história da citricultura brasileira.
POR QUE O SENHOR VEIO PARA CÁ?
Em 1962, depois de muita andança pelo mundo, eu acabava de montar uma fábrica de suco de laranja em Valência, na Venezuela, para o Grupo Toddy. Em dezembro, a Flórida [EUA] teve uma de suas piores geadas, que impactou a produção e abriu oportunidade para o Brasil. Então, o pessoal da Toddy do Brasil me convidou para estudar a viabilidade de montar uma fábrica aqui.
POR QUE EM ARARAQUARA?
O Brasil já era exportador de fruta, e havia em Limeira [SP], o centro de produção de laranja mais antigo de São Paulo, uma pequenina fábrica que produzia suco concentrado em lata, hot pack, não congelado, esterilizado, para o mercado inglês fazer refresco. Depois de Limeira, visitamos Bebedouro [SP] e Araraquara [SP]. Decidimos por Araraquara por uma razão muito simples: eu já tinha feito o estudo, eu precisava de 900 kW de potência, e unicamente Araraquara tinha essa capacidade disponível. Estávamos em janeiro, e o importante era pôr essa fábrica para trabalhar em junho, quando começava a safra. A empresa foi construída em 144 dias. Chamava se Suconasa. Foram investidos US$ 4 milhões. Muitos dos equipamentos, como as extra- toras da FMC, a centrífuga da Alemanha, tudo isso nós trouxemos por avião, foi uma coisa muito bonita. No primeiro ano, a empresa pagou os investimentos e deixou um lucro de mais ou menos US$ 5 milhões. Isso, eu acho, foi o grande impulso da citricultura, pois criou-se uma empresa com grande necessidade de laranja. Trabalhamos aquele ano com 1 milhão de caixas. Hoje seria uma brincadeira, não é?! Isso foi a Suconasa.
QUE A CUTRALE VIRIA A COMPRAR.
Teve uma coisa muito triste: em setembro de 1963, Pedro Santiago [fundador da Toddy] faleceu. Na cabeça de cada empresa, ele havia colocado um genro, e eles começaram a se desentender. Saí da empresa no início de 1964. Essa empresa foi pra “cucuia”, muito mal administrada. E foi comprada pela Cutrale. Tem uma coisa interessante: eu ajudei muito a comprar laranja, um dos fornecedores foi José Cutrale. E ele me levou para Bebedouro, para ver os lugares que ele tinha laranja. Nós alugamos um avião bimotor, Cesnna. Foi a primeira vez que José Cutrale subiu num avião.
COMO ERAM O CUTRALE, O CARL FISCHER E O EDMOND VAN PARYS?
Depois da Suconasa, quando eu montei a fábrica da Citrobrasil, do Van Parys, em Bebedouro, trabalhei bastante com ele, vivemos muitos momentos agradáveis. O Van Parys foi muito importante, ele ajudou a financiar o plantio de laranja. A Citrobrasil, nessa época, representava cerca de 60% da exportação de laranja do Brasil. O Fischer é alemão. Eu gostava do Fischer. Ele chegou ao Brasil depois do Van Parys. Ele se aliou com um grupo americano [Pasco Packing Company] para montar a fábrica em Matão [em 1964, hoje Citrosuco], antes que o Van Parys montasse a sua, em 1965 [hoje unidade da Louis Dreyfus]. O que deu o grande desenvolvimento da Cutrale foi a sua associação com a Coca-Cola, que se ocupou da parte de venda. O grupo Cutrale foi um fator muito positivo dentro da citricultura brasileira.
O SENHOR SE TORNOU PRODUTOR DE LARANJA.
Na Suconasa, fiz amizade com um magnífico arquiteto que se ocupou da construção civil da fábrica, Nelson Barbieri. Então, deve ter sido em 1964, compramos 20 alqueires. Depois, começamos a comprar as propriedades limítrofes. Na época [até 2009], estava tudo plantado de laranja. Quem me ajudou muito nesse plantio foi o Joaquim Dragone [engenheiro agrônomo, ex-conselheiro do Fundecitrus]. Lutamos por cinco anos contra o greening (huanglongbing/ HLB), fomos eliminando as árvores, acabamos com o pomar. E hoje virei, em parte, produtor de cana. Meu sonho é voltar a plantar laranja na minha fazenda.
COMO A EUROPA VÊ O BRASIL?
O Brasil, hoje, é o único país que tem condição de produzir alimentos de forma adequada e em grande quantidade. O Brasil está se transformando muito com a tecnologia, e isso vai permitir gerenciar a sustentabilidade da produção. Não vai ser fácil. Nós temos dois grandes problemas. Um deles é que a Europa não entende o Brasil. Uma pena. A Europa era um lugar de floresta, não tem mais floresta, foi tudo desmatado. Existe um sentimento de culpa que querem transferir para o Brasil, onde nós realmente temos também sérios problemas de desmatamento. Outro problema é o da concorrência. Não tem outro país com as condições climáticas, disponibilidade de terra e capacidade de seu pessoal de produzir alimentos. E existe, essencialmente em São Paulo, um sentimento consciente de sustentabilidade, isso está crescendo. Sou muito otimista.