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Fundecitrus completa 20 anos de pesquisas

Se a ameaça do cancro cítrico levou citricultores e indústrias de suco a formar o Fundecitrus, em 1977, foi o risco e a falta de informação sobre a clorose variegada dos citros (CVC) que motivaram a instituição, em 1994, a se inserir na área científica e montar uma equipe de pesquisa. 

A doença, também conhecida como "amarelinho" foi identificada pela primeira vez em 1987, nas regiões norte e noroeste de São Paulo e no sul do Triângulo Mineiro e não se assemelhava a nenhuma outra doença de citros. O alastramento das ocorrências levou as indústrias de suco a formar a Fundação para o Desenvolvimento da Citricultura no Brasil (Procitrus), em 1989, com o objetivo de financiar projetos de universidades e centros de pesquisa.

No início de 1993, o Fundecitrus passou a financiar, junto com a Procitrus, o "Projeto CVC" que reunia 20 pesquisadores do Instituto Biológico (IB), Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e da Faculdade de Ciências Econômicas de Botucatu. E, no final do ano, a Procitrus, antes somente financiadora, passou a também realizar pesquisas e começou a montar os primeiros experimentos próprios para determinar qual eram os insetos vetores da doença e a buscar variedades tolerantes.

Em 21 de junho de 1994, o Conselho Deliberativo do Fundecitrus aprovou a junção com a Procitrus e criou o seu Departamento Científico que, orientados pelo pesquisador francês Joseph Marie Bové, do Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola (INRA), estabeleceu as prioridades de pesquisa.

Um ano depois, o setor já podia contar com um método de diagnóstico para a CVC por meio de microscopia ótica, um procedimento inédito, simples e barato. Além de detectar ou não a presença da Xylella fastidiosa na planta, a técnica permitia isolar a bactéria, o que abria espaço para os estudos do microrganismo. "O método, foi empregado no Projeto Genoma e continua válido para a citricultura", diz Antonio Coutinho, o primeiro pesquisador contratado pelo Fundecitrus.

As pesquisas sobre a bactéria Xylella fastidiosa, transmissora da CVC, avançavam até culminar, em 1999, no seu sequenciamento genético, no projeto Genoma da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Este, o primeiro genoma realizado por pesquisadores brasileiros e o inédito sequenciamento mundial de um fitopatógeno. "Nós fomos, na época, o único laboratório capaz de multiplicar a bactéria em larga escala e fornecer DNA genômico para o fechamento do genoma", lembra a pesquisadora Diva Teixeira. O feito foi tema da capa da revista Nature, uma das mais conceituadas e prestigiadas publicações científicas do mundo, que trazia, pela primeira vez em sua história, os resultados de uma pesquisa brasileira. "Este trabalho fez mais para a reputação do Brasil que 10 anos de diplomacia", afirma Bové.

"A matéria da Nature colocou o Brasil e o Fundecitrus no mapa da ciência mundial. Havia um significado histórico naquela capa, que indicava nossa capacidade de estudar a fundo as principais pragas e doenças da citricultura para entregar soluções aos produtores", comenta Ayres.

Após o sequenciamento, o Fundecitrus integrou o projeto do genoma funcional, que objetivava identificar quais os genes da bactéria eram relevantes para o ataque da CVC.

Muitos estudos sobre o manejo da CVC estabeleceram práticas que levaram a uma "boa convivência" com a doença até os dias atuais. O diagnóstico foi feito concomitantemente com os trabalhos de poda, de forma a eliminar o inóculo dos pomares. Em 1996, o Fundecitrus comprova a transmissão de CVC por um inseto vetor, a cigarrinha. Onze espécies posteriormente foram identificadas como vetoras. Isso significava que o controle da doença passaria pela aplicação de inseticidas, uma informação valiosa para os citricultores no trabalho de prevenção.

As pesquisas do Fundecitrus derão embasamento para a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) do Estado de São Paulo divulgar, em 2003, as Normas para a Produção de Mudas Certificadas dos Citros. "A produção de mudas em viveiros telados é um divisor de águas na citricultura paulista", afirma Ayres. "Anos mais tarde, a medida foi fundamental para sustentação do controle de HLB", diz.

Os conhecimentos gerados pela pesquisa e transferidos ao produtor como um pacote de manejo tem resultado na redução gradativa da incidência de plantas com CVC nos pomares ano após ano.

Sucessão de desafios

A CVC foi responsável por iniciar as pesquisas, mas os outros desafios foram o motivo da manutenção e ampliação do Departamento Científico do Fundecitrus. "A citricultura é uma das atividades agrícolas com o maior número de desafios fitossanitários. A agilidade é fundamental para a própria sobrevivência da cultura", afirma Coutinho. "E os problemas só aumentavam. Atuar de forma intensa na área de pesquisa era uma necessidade inadiável", lembra.

O Fundecitrus passou então a atuar como um catalizador das pesquisas e servir de interface entre as necessidades da citricultura e a comunidade científica. Um exemplo foi o esforço movido para criar uma ferramenta de monitoramento do bicho furão, praga que causou prejuízos em 1996. A instituição se associou ao Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP), à Escola Superior de Agronomia "Luiz de Queiroz" (Esalq/USP), à Universidade Federal de Viçosa (UFV) e à Faculdade de Ciências Agrárias da Unesp de Jaboticabal para estudar os hábitos do bicho furão e seu ciclo de reprodução.

As informações levaram à síntese do feromônio sexual do inseto, que possibilitou uma armadilha, uma solução de baixo custo e alta eficiência de monitoramento. "O conhecimento adquirido no laboratório se tornou uma aplicação prática e eficiente no campo para ajudar no controle", afirma o professor da Esalq Pedro Takao Yamamoto, responsável pelo estudo quando era pesquisador do Fundecitrus. A ferramenta permitiu que o produtor determinasse com mais precisão o momento de controlar a praga, evitando desperdício de defensivos e impactos ambientais.

Também foi assim para a solução encontrada para a larva minadora, que ameaçava o programa de controle do cancro cítrico no final da década de 1990. Em um grande esforço do Fundecitrus, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Esalq/USP e Gravena Manejo Ecológico de Pragas foi importada da Flórida a microvespa Ageniaspis citrícola, que parasita o ovo e o primeiro estágio da larva do minador com até 76% de eficiência e as primeiras solturas foram feitas na região central em 1998.

A vez das doenças

Após a incidência de novas pragas nos pomares, outro desafio que apontava no parque citrícola paulista era a pinta preta, doença relatada pela primeira vez em 1992. Em 1996, após a rápida expansão, a doença entrou na lista de prioridades do Fundecitrus com pesquisas desenvolvidas pela instituição e parceiros do IB, Unesp e Esalq que buscavam estudar o fungo Phyllosticta citricarpa, determinar os defensivos mais eficientes para o seu controle e um pacote de manejo integrado para a doença.

Com os estudos o conhecimento a respeito da evolução da doença nos pomares foi aprimorado, demonstrou a importância do inóculo presente nos ramos e frutos da florada anterior na planta, auxiliou a avaliação da doença e os danos por ela causados, determinou as condições climáticas para a sua ocorrência e o período de suscetibilidade dos frutos, juntamente com o estabelecimento de uma série de táticas que utilizadas de modo integrado protegem os frutos do fungo. "As pesquisas geraram uma espécie de manual com sete práticas que o citricultor pode usar para manejar a doença: usar o mato da entrelinha de plantio para cobrir as folhas contaminadas caídas, remoção ou decomposição das folhas caídas, poda de ramos secos, irrigação para sincronização da florada, antecipação da colheita, implantação de quebra-ventos e controle químico", diz o pesquisador do Fundecitrus, Geraldo José da Silva Junior.

Em 1999, o Fundecitrus articulou a realização do primeiro grande projeto de pesquisa sobre o cancro cítrico, para estudar métodos de erradicação, sobrevivência da bactéria, dispersão da doença e a influência do minador dos citros. Os estudos envolviam Fundecitrus, Esalq/USP, IB, Unesp Jaboticabal e Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Simultaneamente começava uma nova parceria entre o Fundecitrus e Fapesp para o financiamento do genoma da bactéria Xanthomonas citri subsp. citri, causadora do cancro cítrico, concluído um ano depois.

Em 2001, a Fapesp aprovou o maior projeto mundial de pesquisa sobre cancro cítrico existente até aquela época e liberou R$ 3,3 milhões para a viabilização de pesquisas. Era a maior verba destinada para estudos de uma doença vegetal no Brasil. O projeto reunia 31 pesquisadores de 10 instituições nacionais e estrangeiras, com o objetivo de estudar a epidemiologia da doença, resistência varietal, bioecologia da bactéria e a interação com o minador dos citros.

Diversas pesquisas realizadas pelo Fundecitrus foram fundamentais para sustentar a campanha bem sucedida de supressão da doença no Estado de São Paulo entre os anos 1999 e 2010. "Os métodos de inspeção e erradicação aplicados nesta época foram todos suportados pela pesquisa desenvolvida no Fundecitrus, que permitiu que a incidência de talhões contaminados com a doença permanece abaixo de 0,20% durante 10 anos", lembra José Belasque Junior que trabalhou como pesquisador do Fundecitrus, durante o período.

O Fundecitrus conduz atualmente oito pesquisas sobre cancro cítrico, entre elas a busca de uma árvore resistente à doença. Há ainda estudos sobre aplicação de bactericidas cúpricos, uso de quebra-ventos e outras medidas de manejo.

Expansão constante

As demandas da citricultura não param de crescer e o Fundecitrus acompanhou este crescimento aumentando seu poder de resposta. A instituição investiu na expansão dos seus laboratórios. Três anos após a criação do Departamento Científico, inaugurou o Centro de Pesquisa em Citros e importou equipamentos do Japão, Dinamarca e Estados Unidos.

De uma sala de 90 m2, feita para o diagnóstico de CVC, foi montado o Centro de Diagnóstico de Pragas e Doenças em Citros, com 500 m2, inaugurado em 1999 com as presenças do ministro da agricultura, do secretário estadual de agricultura, do presidente da Fapesp e do prefeito de Araraquara daquela época. Mais tarde, em 2008, mais 400 m2 foram incorporados e o quadro de pessoal foi ampliado.

O número de pesquisadores e pesquisas também acompanhou esta evolução. Os três pesquisadores de 1994 se tornaram 13. Em 2012, a pesquisa passou a ser a principal atividade do Fundecitrus.

Nestes dez anos, foram publicados 225 artigos científicos (até o fechamento desta edição), sendo que 141 em revistas internacionais e 84 em revistas nacionais.

O serviço de diagnóstico que era para CVC, em 2005 passou a ser oferecido também para HLB. Nesta época eram analisadas de 80 a 100 amostras. O pico de 1.690, em junho de 2008. Em 2011, o laboratório bateu o recorde de 14.714 análises para o produtor.

Novos problemas e novas conquistas

Em 2001, o citricultor já contava com um pacote de manejo para a CVC, mas uma nova ameaça aparecia no Triângulo Mineiro e norte de São Paulo, matando rapidamente a planta e assustando os citricultores. Mais uma vez, assim como ocorreu com a CVC, uma nova doença foi identificada com a ajuda do Fundecitrus, a morte súbita dos citros (MSC).

De 2003 a 2007, 23 pesquisadores, 13 bolsistas e 12 instituições de pesquisa do Brasil capitaneadas pelo Fundecitrus mantiveram-se envolvidas em um grande projeto co-financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e CNPq para entender a doença. Ao cabo do trabalho, foram alcançados resultados importantes para o estabelecimento de estratégias de manejo empregadas até hoje.

O pesquisador do Fundecitrus Renato Beozzo Bassanezi, foi um dos contratados na época e diz que, apesar de ainda não se ter encontrado nem o patógeno nem o inseto que o transmite, a descoberta de que a doença atinge apenas árvores com porta-enxerto de limões Cravo, Volkameriano e Rugoso foi determinante para o controle da doença. "O problema é que eles estavam em 85% do parque citrícola paulista", diz.

A partir de então buscou-se selecionar porta-enxertos tolerantes à MSC e ao mesmo tempo produtivos numa situação de estresse hídrico. "Foi quando começaram as pesquisas de diversificação de porta-enxertos. E mesmo as pesquisas atuais, que buscam, por exemplo, porta-enxertos ananicantes com alta produtividade e boa qualidade do fruto, por exemplo, têm de levar em consideração à tolerância à MSC", explica.

Em 2004, chega a São Paulo o Huanglongbing (HLB) ou greening e neste momento ficou claro que a experiência e os avanços obtidos pelos 10 anos que a pesquisa do Fundecitrus estavam completando se mostrariam essenciais para o controle da doença. "O Fundecitrus estava pronto para atender o HLB, a pior doença que pode afetar as árvores cítricas", afirma Bové.

Toda informação e infraestrutura adquirida ao longo de uma década de trabalho pelo Fundecitrus foi direcionada para a busca de soluções para o HLB o mais rapidamente possível. Por meio de uma adaptação do manejo da CVC, ficou instituído um pacote de medidas para HLB formado por mudas sadias, controle do psilídeo e erradicação de plantas doentes. Desde então, a ciência avançou bastante na descoberta de ações e ferramentas contra a doença e estabeleceu um plano consistente de pesquisas e de manejo no campo.

Sustentabilidade

Todo trabalho do Fundecitrus é norteado pela preocupação com a viabilidade econômica para o citricultor associada ao menor impacto possível ao meio ambiente para tornar a prática da citricultura sustentável. A busca por soluções como inimigos naturais e defensivos biológicos ocupa uma boa fatia das pesquisas da instituição.

Com o acréscimo de pulverizações no campo por conta da pressão das pragas e doenças, e o consequente aumento do custo de produção, o Fundecitrus investiu no estudo de formas mais racionais de cuidar do pomar, como a redução de aplicações por meio de monitoramento de pragas e vetores e redução do volume de calda por meio da cubicagem da planta e regulagem do equipamento. "As pesquisas na área de tecnologia de aplicação têm oferecido resultados concretos para o citricultor. Hoje, é possível reduzir em até 50% o volume de calda, com a mesma eficiência de controle", afirma o pesquisador do Fundecitrus Marcelo Scapin.

Nos últimos 20 anos, muitas soluções foram dadas pelas pesquisas, que resultaram em novas tecnologias aplicadas no campo. Mas há ainda muitas respostas a serem buscadas. Atualmente o Fundecitrus está envolvido em 132 pesquisas, que vão desde o diagnóstico até a biotecnologia, sendo que 85 desenvolvidas pelos seus pesquisadores, 14 em entidades parceiras e 33 pelos alunos do Mestrado Profissional em Controle de Doenças e Pragas de Citros (MasterCitrus), criado em 2009.

"O Fundecitrus desde sua criação, sempre esteve envolvido na busca de soluções e melhorias para os problemas da citricultura, é essa a missão da entidade", define a pesquisadora Diva.